Os Vingadores” tinha grandes chances de dar errado e, se tivesse sido feito há 15 anos, seria provavelmente um desastre narrativo e visual ou uma comédia escrachada. Um grupo de heróis composto por um soldado que veste uma bandeira dos EUA, um milionário arrogante, um deus nórdico, um arqueiro e uma supergostosa enfrentando alienígenas em plena luz do dia tem elementos suficientes para cair na galhofa. A esperada megaprodução da Marvel, no entanto, destrói qualquer expectativa negativa e coloca-se entre as melhores adaptações cinematográficas de uma história em quadrinhos.
O responsável pelo ato heroico é Joss Whedon. Fã assumido de HQ (e cultuado pela comunidade nerd por suas telesséries, “Buffy: A Caça-Vampiros” e “Firefly”), Whedon transformou em filme a experiência de folhear as aventuras protagonizadas pela superequipe da Marvel. O que não é exatamente uma surpresa afinal o próprio escritor já colaborou para a publicação da editora, em “Os Surpreendentes X-Men”. Temia-se, na verdade, sua habilidade como diretor – ele só havia dirigido um longa-metragem anteriormente, “Serenity” (2005) –, principalmente porque tratava-se de uma megaprodução de US$ 220 milhões e que reunia alguns dos maiores super-heróis da Marvel na mesma tela.
“Os Vingadores”, no entanto, consegue preservar a mitologia que existe há décadas, mantém a personalidade de seus personagens e deve agradar tanto o leitor regular quanto aquele sujeito que só conheceu o Homem de Ferro pelo filme de 2008. Whedon cumpriu a cartilha básica das histórias em quadrinhos da editora americana: “todo herói Marvel, antes de se juntar a outro herói, deve lutar contra ele”. O cineasta mantém a tradição e a repete com cuidado: todos os combates entre os personagens são coerentes e têm um sentido – diferente do que acontecia em “X-Men Origens: Wolverine” (2009), por exemplo, onde as lutas eram vazios exibicionismos visuais e pirotécnicos.
A trama, na teoria, é econômica: Loki (Tom Hiddleston) planeja vingar-se dos acontecimentos vistos em “Thor” (2011) e realiza uma aliança com uma raça alienígena para destruir a Terra. Para impedir a catástrofe, o líder da agência secreta S.H.I.E.L.D. Nick Fury (Samuel L. Jackson) convoca os super-humanos para formar um time e enfrentar a ameaça. E é só. Mas é uma simplicidade recheada com uma boa interação entre os integrantes. Cada personagem tem seu ponto de vista defendido e uma motivação que, se não chega a ser complexa e profunda, também não o transforma em mero enfeite. As discussões entre eles funcionam e é interessante ver como a equipe é formada vagarosamente, aproveitando cada conflito para solidificar a personalidade de cada um.
Como já não era nenhuma surpresa, Robert Downey Jr. rouba a cena e ilumina o cinema cada vez que aparece, principalmente quando interage com Chris Evans e Mark Ruffalo. Os dois, por sinal, também merecem destaque. Evans, que já havia surpreendido pela performance e carisma em “Capitão América – O Primeiro Vingador” (2011), não se deixa ser engolido pelo magnetismo de Downey Jr. e, na hora certa, convence como o líder natural do grupo. E Ruffalo consegue transformar em natural sua interpretação como Bruce Banner/Hulk e é possível que o público nem perceba que o personagem foi feito por outro ator no filme de 2008 (Edward Norton).
Scarlett Johansson (Viúva Negra) e Jeremy Renner (Gavião Arqueiro) também ganham seu espaço, ainda que sejam coadjuvantes. E Tom Hiddleston mais uma vez dá profundidade a Loki – apesar de sua motivação forçada – e o personagem ganha uma nova habilidade para fazer jus à fama de “deus da trapaça”.
No entanto o grande herói, mesmo, foi Whedon, que não apenas soube orquestrar as estrelas que tinha disponíveis, mas também realizou uma direção segura, e até brincou com as linguagens e estéticas cinematográficas e dos quadrinhos. Vai ter fã chorando de emoção com o delicioso plano-sequência durante a épica batalha final: por meio de recursos digitais, o diretor visita com sua câmera em movimentos impossíveis cada herói em ação.
A segurança de Whedon lhe garantiu inclusive outras brincadeiras visuais, como quando a câmera tenta encontrar e focar em Thor, enquanto ele enfrenta os alienígenas. Ou mesmo na cena em que Stark e Banner, dois gênios de personalidade opostas, conversam com uma tela transparente dividindo seus rostos, como se estivessem olhando num espelho. O tranquilo Whedon diretor permitiu até que o Whedon roteirista arriscasse, com sucesso, transformar Hulk num alívio cômico – algo que não aconteceu nos filmes de 2003 e de 2008. Em vez de assustar, Hulk vai causar risos. Não, gargalhadas.
“Os Vingadores” chega para confirmar uma tendência: ser nerd é legal. Durante uma cena, há uma divertida piada sobre colecionar cards de super-heróis. Noutra época, a brincadeira poderia até ridicularizar o ato nerd, mas no filme ele ganha uma importância fundamental (e exagerada se for levado à sério) para a história. É curioso pensar que filmes de super-heróis já foram piada em Hollywood – a ponto de uma produtora realizar o lendário filme de 1994 do Quarteto Fantástico nas coxas só para não perder os direitos sobre o título.
Desde “X-Men”, em 2000, tudo mudou: a indústria, que passou a investir no “gênero”, e o público, que passou a aceitá-lo. É claro que para cada “Homem de Ferro” (2008) vinha um “Lanterna Verde” (2011), mas a adaptação aconteceu de forma rápida: para “X-Men”, Brian Singer deu uma cara mais de ficção-científica do que de HQ, os uniformes tinham que ser preto, pós-Matrix, e com tom mais realista – havia até uma piada sobre Wolverine e os colantes amarelos. Uma década depois, “X-Men: Primeira Classe” tornou-se o melhor filme da franquia e os uniformes eram justamente amarelos. E o público aceitou numa boa.
O filme da superequipe da Marvel pousa nos cinemas como um triunfo bilateral: um ótimo filme e que deverá bater alguns recordes de bilheteria. “Os Vingadores” faz jus ao título: trata-se da vingança dos nerds.